Tempo de ser livre:

Luciano Jorge de Jesus
5 min readMay 30, 2020

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30 de maio de 2013.

Corte na câmera. Não conferi o calendário. Erro crasso.

As meninas queriam ir a um show no Parque Municipal, teve um duelo de MC’s coisa grande, salvo engano era uma eliminatória para o nacional. Mais um corte na câmera. Estava no metrô, a Ana (minha irmã mais nova) dizia alguma coisa, eu não escutei. Aliás, a Ana — Atleticana — não estava pilhada (mas depois ela ficou super emocionada) como eu estava, eu ficava pensando na moçada indo para o Horto, conversando sobre como o jogo poderia ser muito bom. Descemos na Central. Olho para trás e penso: queria ter ficado com vocês.

Volta para o Parque. Faço uma promessa. Mas é meu segredo, algo comigo mesmo. Vou olhar alguns discos. Salvo engano, compro “Brave” do Marillion, um disco da Rita Lee. Eu acho.

Fim do Duelo. Puxo as horas. Aviso as meninas, afasto do palco, puxo o fone de ouvidos e o jogo começa…

Estava tudo muito estranho. Máscaras de fantasma, a cidade eufórica e eu…

Mais um corte. Minha trilha sonora na Libertadores, na real trilha para os jogos do galo desde 2012. Esse álbum. Guardem essa informação.

Eu tinha dúvidas demais naquele dia 30 de Maio. O jogo anterior em Tijuana foi tenso. Jogar no México era complicado, Antonio Mohamed era um grande comandante, Riascos estava jogando muito. E na verdade o Tijuana já mostrou contra o Palmeiras que deveria ser respeitado, mas o futebol brasileiro é auto suficiente demais. Contudo, aquilo que poderia ser uma tragédia marcou uma reação importante e um bom resultado fora de casa e isso encheu a moçada de confiança.

“Foco no jogo Luciano!”

Peço desculpas, minha cabeça sempre funcionou de forma não linear, assim passado e presente formam uma trama que soa muito mais complexa e confortável, o caos sempre foi meu companheiro (aliás, já sofri uma piada racista nesse contexto… Caos Cabelo…): não há linha reta, não há regularidade. Mas tudo bem, volto.

O Jogo começa e a tensão estava na voz do narrador . Nada daquela confiança, nada parecido com o jogo contra o São Paulo. Aqui tudo era novo, um jogo duro, um adversário muito bem organizado e eu com a cabeça em 1999. Tendo os mesmo pesadelos que tive em 1995. Com os mesmos medos de 1991. Sonhando com os fantasmas de 1977.

“Nosso principal jogador é um dos maiores jogadores do futebol mundial! Nossa time é um dos melhores da América Latina!”

Isso não bastava.

La vem a bola na área. Gol.

Impedimento.

“Ana. Tá errado esse jogo…”

Nova troca de passes, uma jogada pelo lado direito do ataque do Tijuana. Bola na área. Riascos. Gol.

Pausa. Tá meio Cosme Rimoli isso aqui né? Peço desculpas, mas para esse texto não consigo pensar em coisa melhor.

Minha reação ao gol foi simples demais. Eu tinha certeza que tudo aconteceria de novo. Que teríamos o mesmo fim, afinal a geração era muito boa, a oportunidade era boa demais, um grupo que contava com Ronaldinho Gaúcho, Ídolos como Gilberto Silva e Diego Tardelli, jogadores de potencial como Bernard e Luan…

Estávamos na Praça da Estação. No mesmo lugar onde escutei os foguetes do primeiro gol contra o São Paulo. A falta era para o Galo e a minha mensagem era simples. Que Ronaldo decida como sempre fez. Sua bola na área era uma espécie de luta contra o tempo e espaço (exagero… Mas, isso é futebol…), Réver faz um toque estranho, mas consegue fazer o gol.

O Segundo tempo foi uma das minhas piores experiências como torcedor. O rádio tensiona as experiências do futebol de um modo dramático. Mesmo o repórter de campo, Roberto Abras, confesso atleticano, que sempre foi muito equilibrado em suas análises (mesmo em momentos duros) estava muito tenso.

Aliás, quem se lembra das dramáticas transmissões da Rádio Capital? Transmissões que tinha uma dose sádica em sua narrativa, com o microfone aberto na torcida? Lembro do gol de pênalti marcado pelo Renaldo e narrado pelo Willy Gonser.

“Baiano que veio do Paraná. Você quer ser artilheiro?”

Willy não narrava o lance, a oportunidade era sempre para abrir o microfone e deixar que o ouvinte descobrisse o que acontecia, algo parecido com as narrações de Vilibaldo Alves em cada gol com o seu grito:

Estávamos chegando em casa e a minha tradução, meus medos, todos os fantasmas da minha infância e juventude ganharam forma.

Me lembro que a Jacqueline disse algo como:

“Ele vai pegar esse penalti…”

Meu sentimento era simples, todos os fantasmas estavam ali. Uma semana antes o site Impedimento (fora do ar… ó ceus… Mas tem o livro…) lembrança de todos os nossos fracassos. Um grupo brilhante perde um campeonato brasileiro invicto, um bom grupo é eliminado no Brasileiro de 1991, Marques não joga a final de 1999 e o campeonato brasileiro fica por um gol, o time perde a Conmebol de 1995 depois de uma vantagem de QUATRO GOLS… Por que seria diferente.

Aí volto na minha trilha. No título do texto.

Quando Riascos correu “pra bola”, eu tive um sentimento diferente. André que agora é um anjo na minha vida, um herói que sempre vou levar no meu coração, uma voz que esteve comigo nos momentos de choro, de alegria… Ele me ensinou essa frase:

“Rise again,

For your fate will always follow you

No more cries, no hurt and pain

See the future like never before

Undress your sorrow

Leave the past all behind

Time to be free!”

Tempo de ser livre. (nossa que brega).

A dança dos deuses e deusas me ensinou muito sobre a própria vida. Deixar o passado para trás não é negar o que foi, mas é relegar, dar o peso necessário para algo que não podemos mudar, mas o futuro era outra coisa. Falar sobre futebol é chorar enquanto escreve um texto ruim, mas permeado de verdade. Falar do que nos toca.

Victor não é Santo. Mas a mitologia do futebol, nos ensina a escrever nossas narrativas de forma mais lírica, seja pelo sentimento da dor de Estádio inteiro em 1950, ou ainda sobre um pé esquerdo mais ou menos a meia noite no Horto (peço licença ao Ceconello pelo título lindo). O futebol também é um espaço em que tempo e espaço não fazem tanto sentido assim. Mas a dica pela liberdade, para nós atleticanos e atleticanas, está em um pé esquerdo. Quanta coincidência…

Mas fico pensando na frase do carteiro Mario ao Poeta Pablo Neruda no filme “O Carteiro e o Poeta”:

“A poesia não pertence a quem a escreve, mas àqueles que precisam dela.”

Talvez seja hora de ser livre…

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Luciano Jorge de Jesus
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Written by Luciano Jorge de Jesus

Investigando os (alguns) fragmentos de conflitos no planeta Terra

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