A Dança
Dedicado a quem compreende que podemos aprender em coletividade. Entre amores, guerras e canções tranquilas (ou não).
Tenho poucas lembranças da infância na década de 1980. Mas, diria com muita tranquilidade que de tudo que lembro desse momento o futebol quase sempre estava ali. Da conversa com a minha mãe sobre minha confusão entre Atlético e Botafogo, a polêmica no Maracanã envolvendo Rojas e o foguete, Acácio e seu estilo único no gol…
Nesses 42 anos, minha relação com o futebol não é a mesma, aliás desde 1998 (e a famigerada final contra os franceses) essa relação se tornou dialética, não exatamente de amor e ódio, mas, quando me tornei mais jovem passei a ser crítico, deixei de lado minhas idealizações. O futebol traduz a minha vida… melhor dizendo, busco no esporte um diálogo orgânico com a minha vida.
Os amigos mais próximos sabem que adoro alegorias com o jogo. Na menor oportunidade, sabem que vou lançar mão de alguma ideia sobre alguma coisa que vi (ou que acho que vi), além das coisas que ouvi pelos mais velhos. Porque memória também é sobre isso, sobre o que lembramos e o que esquecemos (estranho neh?).
Aliás, isso me lembra a animação “Valsa com Bashir”.
Essa produção está organizada em uma animação e um quadrinho e fala sobre o massacre de Sabra e Chatila (olha Israel e suas atrocidades novamente…) e a forma escolhida para falar sobre esse massacre é a memória (ou perda) do protagonista, membro do exército israelense no ano de 1982 (ano em que eu nasci). Memória e esquecimento parecem andar lado a lado. Será? Bom, vou ter que estudar mais. Isso fica para outro dia.
Voltemos ao futebol e suas (na verdade minhas) alegorias.
Não sei se é pela minha relação com o TDAH, mas desde criança tenho nas minhas lembranças uma relação com a música. Aquelas que gosto, que me emocionam…. Momentos para pensar…
Mas, voltemos para as sensibilidades…
“A procura de Eric” é um filme que adoro justamente por me ajudar a pensar na normalidade de minha vida. Ajustar as coisas ao meu modo. Essa cena é marcante. Peço desculpas, ela está no áudio original, mas penso que vale a pena conferir o filme que vai falar bastante sobre a forma como o futebol inglês se elitizou e afastou ainda mais das classes trabalhadoras.
Essa cena diz um pouco sobre como (também) vejo o futebol.
Basicamente Eric, o carteiro (torcedor do United), conversa com Eric, o jogador (ídolo do United). E o mais interessante: a mediação da conversa tem seu ponto de partida a memória. A memória aqui dialoga com outros afetos diversos.
Cantona fala sobre correr riscos, no futebol o jogo seguro não te leva a um novo lugar. Só que esse risco também pressupõe algo: vamos errar. Em algum momento temos que lidar com a decepção do erro. Mas, gostaria que o foco fosse exatamente aqui: o erro não é individual no futebol. E aí, noto algo que sempre me emociona, algo que sempre falo em sala de aula: afinal, qual o objetivo do jogo coletivo? Ser também sobre o outro.
Volto a conversa entre os dois personagens. O carteiro pergunta: qual o momento mais doce Cantona viveu no Teatro dos Sonhos? O craque responde: não foi um gol. O gol. Momento sublime, o grande momento do futebol. O carteiro se sente contrariado: tem que ser um gol!
Cantona segue na conversa lembrando que o futebol é sobre confiar em outra pessoa e que isso é algo difícil. Mas, aprendi que não há muito o que fazer, afinal, não é possível contar meramente com o acerto. Erramos. Acertamos.
Eu amo futebol por ser um espaço em que as pessoas precisam aprender, vão aprender. E sempre podem ter na próxima jogada (mais) uma oportunidade.
Atenção nesse lance abaixo:
Aqui me lembro de futebol de rua, lembro como era feliz ali. O tempo parava, os amigos estavam próximos e os perigos, esses sobre os quais escrevo, falo, ensino, aprendo (erro) estavam bem longe (bom, pelo menos assim eu pensava).
Ouvi uns dias atrás que tudo que plantamos colhemos. Mas, a colheita leva tempo, não o nosso, mas o tempo da terra, o tempo da semente e tudo que podemos aprender (ou não). O velho Cartola ensina que o mundo é um moinho. Mas, confesso. Ainda não entendi o que isso significa.
Cruyff uma vez deu uma entrevista em que diz algo interessante:
“(…)nós, os holandeses, cultivamos o círculo como uma forma perfeita, quase mágica. Nosso futebol não poderia ser diferente. Transferimos para o campo a espontaneidade e a tradição do nosso dia-a-dia. Por isso, podemos jogar com tanta fluência individual e tanta solidariedade. É como se estivéssemos dançando nossas danças, cantando nossas canções, cumprindo, enfim, nosso destino como nação.”
Dançamos.
E teremos a chance, sempre, de uma nova dança.